A linguagem forense - Centro Universitário do Rio Grande do Norte - UNI-RN
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A linguagem forense
23.04.2009

Algum tempo atrás, uma amiga me ligou sobre a sentença de um juiz, pedindo para ajudá-la a decifrar o teor da decisão, em um caso que ela tinha interesse. Leu então para mim a parte final da sentença, mas fiquei também confuso. Havia muitos termos técnicos e a linguagem era rebuscada e difícil. Dava a impressão de ser a favor da minha amiga, mas nem sob consulta de dicionário me arriscaria a opinar. É frequente encontrar situações semelhantes, nas quais a parte interessada, na maioria das vezes pessoas leigas, não entende o texto jurídico criado como se fosse somente para os graduados da área. Por outro lado, ao longo do tempo, nas diversas funções que exerci e exerço, tenho visto muitas peças jurídicas com redações primorosas, fáceis de se entender, mesmo mantido o rigor do estilo próprio dos assuntos ligados ao Direito e à Justiça. Só para exemplificar, do tempo que ocupei o cargo de Reitor da UFRN, lembro-me dos pareceres do assessor jurídico, Manoel Leão Filho. Apesar de extensos, dava gosto fazer a leitura dos textos límpidos e escritos com elegância e clareza, sem perder força no foco da questão nem abolir os termos técnicos necessários. Recentemente, li uma peça jurídica elaborada pelo advogado José Augusto Delgado – ex-Juiz e ex-Ministro dos mais brilhantes do país -, uma lição de beleza de estilo e de nitidez de argumentos, em uma linguagem acessível a quantos tenham interesse. O fato é que, entre os próprios operadores do Direito, existe uma polêmica sobre a forma de escrita mais adequada a ser usada no mundo jurídico. Há os que defendem a ortodoxia do estilo rígido, empolado e técnico; há os opositores ferrenhos a essa linha, que pugnam pela liberdade para expressar as ideias; e há os moderados, como sempre, ao lado do bom-senso, para que a linguagem jurídica nem caia no “juridiquês”, nem seja tão informal ao ponto de parecer vulgar. É bom lembrar que, por trás de todo esse complexo caminho dos processos, está o cidadão comum, leigos às mais das vezes, ansioso por entender o andamento das demandas e os seus desfechos. Alguns juízes, já cansados do latim e da prosa formal das sentenças, apelam para expor suas decisões em versos. Foi o caso do juiz gaúcho Afif Jorge Simões Neto, ao julgar uma causa de pedido de danos morais. Sua sentença, a favor do réu, foi feita em dez estrofes, nas quais não se encontra qualquer termo formal. Em uma das estrofes, o meritíssimo diz assim: “Sem culpa no proceder/Não condeno um inocente/ Pois todo o mal que se faz/ Um dia volta pra gente”. Esse caso é recente, mas, quase seis décadas atrás, em Campina Grande – PB, houve o famoso caso do Habeas Pinho. Um grupo de jovens teve o violão apreendido pela polícia, quando fazia serenata, em uma noite fria de junho de 1955. O grupo recorreu ao advogado Ronaldo Cunha Lima, também amante das serenatas, que fez petição em versos para a liberação do violão. A primeira das doze estrofes diz assim: “O instrumento do “crime” que se arrola/ Nesse processo de contravenção/ Não é faca, revólver ou pistola/ Simplesmente, Doutor, é um violão”. E depois: “Liberte o violão, Doutor Juiz/ Em nome da Justiça e do Direito. / É crime , porventura, o infeliz/ Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?”. O Juiz Roberto Pessoa de Sousa dá a sentença para liberar o violão também em versos, com esse final: “Se grato for, acaso ao que lhe fiz/ Na noite de luz, plena madrugada/ Venha tocar à porta do Juiz”. O gênero da escrita forense, se não é o mais importante dos autos, interessa aos profissionais da área e a toda sociedade. É assunto que merece discussão, inclusive no âmbito do ensino jurídico, no sentido de bem orientar os futuros operadores do Direito.

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