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Bloomsday
17.06.2011
Recebi convite para as celebrações do Bloomsday 2011, uma iniciativa do Curso de Letras da UFRN. Sob a coordenação da professora Ana Graça Canan, o evento, já na 25ª edição, conta com o entusiasmo dos pesquisadores da obra de James Joyce, Professores Francisco Ivan e João da Mata Costa, entre outros. Em virtude de mudanças do local da sessão inicial, algo comum de ocorrer, recebi informe sobre a alteração. Uma secretária da FARN leva-me a mensagem e diz ter interesse em saber o significado dessa palavra estranha, Bloomsday. Embora tenha-lhe dito que não seria eu a pessoa certa para responder à questão - muito mais ainda na época atual do indefectível "Professor Google" -, tentei alinhavar algumas ideias à guisa de atender, mesmo de forma sucinta, a natural curiosidade.
Comecei por falar em Leopold Bloom, personagem central da obra-prima Ulysses, de James Joyce. Todas as passagens ficcionais do romance acontecem em um mesmo dia, 16 de junho de 1904, em Dublin, Irlanda, terra natal do autor. Este livro é visto pelos experts como uma sátira do clássico Odisseia, do poeta grego Homero, além de ser um marco do romance moderno. Na obra de Joyce, as figuras mitológicas estão representadas por pessoas comuns. À medida que Ulysses passava a ser visto como um dos principais livros escritos na língua inglesa, e uma referência na literatura mundial, formaram-se grupos em muitas cidades e em muitos países, a fim de prestar honras ao próprio livro e ao autor, sempre a 16 de junho de cada ano, sob o nome de Bloomsday, ou dia de Bloom. Da mesma forma que existem os proustianos ao redor do mundo, fãs de carteirinha de Marcel Proust, existem os joyceanos de coração, prontos para aprender mais e também para ensinar a respeito da obra do famoso escritor irlandês.
"O senhor já leu o livro Ulysses?" perguntou-me a secretária. Sorrindo, disse-lhe que não, apesar de mais de uma vez ter tentado. No entanto, procurei me justificar, pois se tratava de um volume em inglês: "Se fosse em português, quem sabe, talvez tivesse ido adiante". Na verdade, apesar do valor literário do Ulysses, não é tão fácil encontrar uma pessoa que tenha vencido as mais de 800 páginas do romance. Depois da conversa rápida sobre o Bloomsday, fiquei a relembrar a história da livraria Shakespeare and Company, fundada pela norte-americana Sylvia Beach, em 1919, com portas abertas no prédio de nº12 da rua lOdeon, em Paris. Sylvia Beach, com apoio da amiga francesa Adrienne Mounier, transformou a livraria - voltada para obras escritas na língua inglesa - em ponto de encontro de grandes escritores estrangeiros, entre eles Ezra Pound, Gertrud Stein, James Joyce, Ernest Hemingwai e F. Scott Fitzgerald.
Sylvia Beach encontra Joyce pela primeira vez em 1920 e assim o descreve: "De altura mediana, ele se mantém ligeiramente encurvado; suas mãos são finas; por detrás dos óculos, os olhos são bonitos, embora o direito, visivelmente atrofiado, use uma lente mais grossa que o esquerdo". A grande glória da livraria Shakespeare and Company é ter feito a primeira edição da obra-prima Ulysses. Considerado obsceno, acintoso, indecente, imoral, anticristão, o romance havia sofrido rejeição por todas as grandes editoras da época. Sylvia Beach, vencendo barreiras, fez não só a primeira, mas nove edições do Ulysses. No livro "Proust at the Majestic", de Richard Davenport-Hines, editado nos Estados Unidos (2006), na página 47, está escrito que Sylvia Beach, no dia dois de fevereiro de 1922, tinha ido sozinha para a estação esperar o trem Dijon-Paris, às sete horas da manhã: "Eu estava na plataforma, meu coração parecia uma locomotiva, quando o trem parou, e vi o guarda segurando um pacote e procurando por alguém - eu. Em poucos minutos bati à porta de Joyce e lhe entreguei a cópia nº 1 do Ulysses".
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