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Capela Sistina (1)
22.10.2009
Por duas vezes, visitei a Capela Sistina, no âmago do Museu do Vaticano. Na condição de turista, tive de suportar o corre-corre de multidões, além de me conformar com o pouco tempo para apreciar o famoso cenário artístico criado por Michelangelo, há cerca de cinco séculos. Na verdade, limitei-me a olhar os painés, quase de passagem. Com a atenção voltada para o teto da capela, a dor no pescoço era o aviso para atender os reclamos dos companheiros de viagem, já cansados com a demora. Assim, para a maioria dos que a visitam, a Sistina é somente mais um lugar de arte para ser visto, dentro da rotina dos turistas. Não são muitos os que procuram entender o real significado dos célebres afrescos daquele espaço muito especial, patrimônio da Igreja e de toda a humanidade. A leitura recente de dois livros deu-me uma mais ampla visão das obras presentes na sala onde os cardeais, em conclave, escolhem um novo papa. Refiro-me aos livros: Os Segredos da Capela Sistina – As mensagens secretas de Michelangelo no coração do Vaticano – e A Arte Secreta de Michelangelo – Uma Lição de Anatomia na Capela Sistina.
O primeiro livro, editado em 2008, é de autoria de Benjamin Blech e Roy Doliner, escritores e críticos de arte, com atividades nos Estados Unidos e na Itália. É uma obra surpreendente, repleta de conceitos ousados sobre os reais propósitos de Michelangelo nos seus trabalhos da Sistina. Os autores reforçam a tese de que o artista não atendeu aos pedidos dos papas com quem trabalhou. Por que não aparece nos painés do teto nenhuma representação do Novo Testamento? Tudo indica que Michelangelo optou por sinalizar a reconciliação entre a razão e a fé, entre a Bíblia hebraica e o Novo Testamento. Por exemplo, no 5º painel do teto – são nove ao todo –, que trata da criação de Eva, a mulher de Adão não surge de uma costela do homem, mas ao lado dele, segundo a tradição judaica. No 4º painel – Criação de Adão –, uma das imagens mais famosas do mundo, quem seria a mulher que está junto de Deus? Seria a alma de Eva? Seria o conceito neoplatônico de Sofia, deusa grega e símbolo da sabedoria, visão que tem apoio na Cabala? O livro aborda e relembra, de forma um tanto radical, uma sequência de crimes envolvendo os habitantes do Vaticano, entre os quais, no destaque, o temido cardeal Gian Pietro Carafa.
O texto de Os Segredos da Capela Sistina pergunta se a obra de Michelangelo, naquela deslumbrante sala, não seria o seu autorretrato: sua vida, suas crenças, seu respeito pelo cristianismo, sua repulsa a alguns papas e outras altas figuras do vaticano, seu amor espiritual a Deus, seu amor físico aos homens, sua paixão pela arte pagã e pelo judaísmo, sua defesa do livre pensamento e das novas ideias. Talvez Michelangelo tenha optado por escrever sua autobiografia no teto da capela.
Durante séculos, os afrescos do gênio florentino, no coração do Vaticano, foram motivos de fortes aplausos, mas também de severas críticas, incluso o Juízo Final, visto no altar da capela. Enfim, como se aceitar, entre outras “ofensas”, os nus masculinos e femininos tão presentes na obra? A mudança veio com o papa João XXIII, no seio do Concílio Vaticano II. Para completar, João Paulo II, o primeiro papa a entrar em uma sinagoga, ordenou a limpeza e a restauração dos painés, e, em oito de abril de 1994, na homilia da missa pela finalização da tarefa, ele reabilita, nesse mister, Michelangelo e seus afrescos: “A Capela Sistina é precisamente – se assim se pode dizer – o santuário da teologia do corpo humano. (...) porque só diante dos olhos de Deus o corpo humano pode permanecer nu e conservar intacto o seu esplendor e a sua beleza”.
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