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Uma frase de Machado de Assis, constante na crônica Ao Acaso, de 1864, devia ser um lema para quantos se dedicam à escrita, em qualquer contexto ou gênero: "A primeira condição de quem escreve é não aborrecer". Ora, o primeiro leitor é sempre o próprio escritor, daí não ser difícil seguir essa sentença de Machado. Há muito que a crônica no Brasil perdeu a simples condição de folhetim, para se transformar em gênero literário que tem em Rubem Braga o principal nome do país. Cristovão Tezza diz que, na crônica, "a mão do texto puxa o leitor pelo colarinho em cada linha". Assim, para esse gênero, aumenta o valor dos cuidados para não aborrecer, a fim de que a leitura prossiga até o final.
Autor de belas crônicas, Pery Lamartine é um escritor já consagrado, integrante da Academia Norte-Rio-Grandense de Letras, com 17 livros publicados, entre os quais Velhas Oiticicas, Epopeia nos ares, O Aeroplano, Personagens Serra-negrenses e Coronéis do Seridó.
Como se vê, além dos temas voltados para suas origens sertanejas, a aviação domina seus escritos, pois é ele um decano da ventura de o homem vencer a força de gravidade para voar, e é também decano da história dessa proeza humana no Rio Grande do Norte. Senti-me honrado quando ele me convidou para escrever breve apreciação sobre 25 crônicas de sua autoria. Os textos reunidos, sob o título Crônicas versus Estresse, afinam-se de forma perfeita ao grupo das leituras agradáveis, repletas de leveza, resgate de um passado com cenas guardadas na memória de emoções vividas pelo autor. São lembranças, reflexões, eventos do cotidiano de um homem sensível ao significado maior de fatos simples, dos quais ele retira meios para sua criação literária.
Na primeira crônica, Um Homem Feliz, Pery conta como foi que consertou o retrovisor do seu carro, em uma "oficina" rústica, situada sob a sombra de uma árvore, no Alecrim. O "especialista em retrovisor", enquanto fazia o conserto, o tempo todo cantarolava uma música popular. Esta crônica guarda o enredo de um conto, e é própria de bons escritores, que sabem extrair sutilezas da índole humana e de momentos comuns do dia a dia.
Seguem outros textos típicos da prosa leve, bem humorada e sucinta, como deve sempre ser a da boa crônica. Em "Velho Porreta", ele conta que, ao lado da esposa, Ieda, procurava por uma granja de um amigo, situada perto de um motel. Como estava meio perdido, perguntou a alguns operários de uma construção o caminho para o tal motel. Ensinaram com precisão, mas um deles exclamou: "Eita velho porreta!". Em outras crônicas, Pery narra suas aventuras de piloto, seu tempo de jovem morando na cidade de Joinville, a experiência de pilotar um hidroavião Catalina. Por vezes, a prosa assume um caráter lírico, a qual se confunde com texto poético. Em "Lua cheia no Seridó", não se sabe o melhor para definir, se é uma prosa poética ou uma poesia em prosa. Algumas páginas são de evocação sentimental, quando relembra o tio Oswaldo Lamartine, os amigos Augusto Severo Neto e Márcio Marinho, além de seu avô, Juvenal Lamartine, pioneiro da aviação no Rio Grande do Norte. Suas raízes no Seridó são revividas em algumas crônicas, quando revela o total afeto telúrico pelo sertão.
As crônicas de Pery Lamartine honram esse gênero literário do Rio Grande do Norte, que, por sua vez, honra o do Brasil. Na condição de viajor de longo curso, ou de "flâneur" pelas ruas de Natal e pelas veredas do sertão, com um estilo limpo e direto, livre do ornamento e sem ser pedante, o escritor Pery Lamartine segue a máxima de Machado de Assis, e as suas crônicas deleitam os leitores e servem como oposto aos estresses do dia a dia.
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