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Darwin, o navio Beagle e o Brasil (II)
26.03.2009
Charles Darwin chegou ao Brasil em fevereiro de 1832. Vivia-se a fase de governo da Regência Trina, até que D. Pedro II – então com sete anos – atingisse idade que o tornasse apto a assumir o trono. Tempos depois, o preclaro Imperador, em visita à Inglaterra, pôs na agenda um encontro com o autor de “A origem das espécies”. Em nosso país, Darwin fez anotações e colheu amostras valiosas para suas pesquisas, tendo visitado os rochedos de São Pedro e São Paulo, Fernando de Noronha, a Bahia e o Rio de Janeiro, seguindo depois para longa jornada pelo mundo, a bordo do navio Beagle. No retorno, mais de quatro anos depois, ainda passou alguns dias no Recife. Em seu diário de viagem, constam certas palavras desairosas sobre as pessoas que aqui encontrou, embora também existam elogios, com ênfase, contudo, para as belezas naturais.
No passado, era frequente fixarem-se as imagens de uma época por meio das telas de bons artistas. Foi o caso de Debret, trazido da França para o Brasil por D. João VI. Nos quinze anos que esteve no Brasil, Jean-Baptiste Debret retratou a civilização brasileira de forma a garantir a crônica visual do país. Merece também citação os trabalhos de J.M. Rugendas com a sua valiosa obra para a iconografia nacional. Antes de Rugendas e Debret, as paisagens tropicais do Brasil, os bichos, as plantas, os tipos humanos e seus trajes, foram modelos vivos para os pincéis, as tintas e a sensibilidade de dois extraordinários pintores vindos com Maurício de Nassau: Frans Post e Albert Eckhout, cujas telas constituem um tesouro para a história do Brasil. A viagem de Charles Darwin no Beagle foi documentada por dois artistas que eram oficiais do navio: Augustus Earle e Conrad Martens. Richard Keines, bisneto de Darwin, publicou livro em 2003 intitulado Fossils, Finches and Fuegians: Darwin’s Adventures and Discoveries on the Beagle. Nesse livro, já disponível em português, encontram-se pranchas em cor e ilustrações dos pintores Earle e Martens. Porém, a maioria das telas é de autoria de Conrad Martens, inclusive as que se referem ao Brasil, as quais são peças de valor para a memória artística/histórica do país.
Apesar da amizade, o Capitão FitzRoy, comandante do navio Beagle, e Charles Darwin tiveram alguns atritos durante a longa viagem de circunavegação; e foi na Bahia onde se deu uma das mais acirradas discussões entre os dois. O que levou aqueles jovens navegadores ao embate ainda no começo da jornada? Ao chegar a esse ponto do Brasil, Darwin teve um choque ao assistir cenas terríveis da escravidão. Para ele, essa brutal condição humana era inaceitável. Em seu diário, Charles escreveu: “No começo da viagem, na Bahia, Brasil, FitzRoy defendeu e elogiou a escravidão, que eu abominava (...) Achei que seria obrigado a deixar o navio (...). Após algumas horas, contudo, FitzRoy mostrou sua magnanimidade costumeira, mandando um oficial me pedir desculpas e dizer-me que continuasse em sua companhia”. No artigo “Darwin e a Escravidão”, publicado na Folha de S. Paulo de 08/02/2009, o escritor Marcelo Gleiser aborda a nova premissa de que foram as ideias abolicionistas do pesquisador inglês a principal motivação para o desenvolvimento da sua teoria da evolução das espécies a partir de um tronco comum. No artigo, Marcelo Gleiser cita o livro Darwin’s Sacred Cause, sobre esse tema, lançado há pouco tempo nos Estados Unidos. Teria sido, portanto, o horror à escravidão, presenciada com ênfase aqui no Brasil, que levou Charles Darwin a se empenhar nos estudos científicos voltados à evolução biológica por meio da seleção natural, a fim de explicar o mistério da diversidade dos seres vivos. Mas isso nos remete a outro mistério ainda maior, o mistério da própria vida.
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