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Desculpas ao cientista
10.09.2009
Em 1985, fiquei por vinte dias na Filadélfia – USA – em visita de estudos na Universidade da Pensilvânia. Cumpria a fase prática de um curso de especialização em Administração Universitária, promovido pelo Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, em parceria com a OUI e com a Universidade de Quebec. Essa fase do curso teve o objetivo de oferecer uma visão geral “in loco” da gestão acadêmica norte-americana. O grupo – éramos dois brasileiros, um paraguaio e um equatoriano – teve audiências com os diretores da Instituição, inclusive com o Reitor, no caso, chamado de Presidente. Como outra tarefa do grupo, constava a visita ao Campus de uma das melhores universidades dos Estados Unidos. O curso terminou durante um congresso da OUI – Organização Universitária Interamericana – realizado em Miami, logo após o estágio na Filadélfia. Os concluintes, cerca de trinta professores, entre brasileiros e outros latino-americanos, escolheram-me para ser o orador durante a entrega dos certificados, em solene sessão que reuniu reitores e ilustres figuras do mundo acadêmico das Américas. Quando exerci o cargo de Reitor da UFRN –1987-1991–, incentivei as atividades da Administração Universitária, inclusive com a realização, aqui em Natal, de seminários internacionais e de cursos de especialização para docentes e servidores, o que resultou, sem dúvidas, em avanços na gestão da própria UFRN.
Na visita ao campus da Universidade da Pensilvânia, não há como esquecer o museu do primeiro computador digital eletrônico do mundo, montado em 1946, e que operou cerca de oito anos. Em um grande salão, viam-se máquinas enormes e estranhas, que ocupavam boa parcela do espaço físico. A Penn University mostrava orgulho de ter sido a sede onde nascera aquela gigantesca máquina, símbolo da materialização dos avanços na fase primeira da era computacional. Ali, portanto, estavam partes do histórico ENIAC – Electrical Numerical Integrator and Computer – que pesava 30 toneladas, com 25 metros de comprimento, construído à base de válvulas, relés e condensadores. Usava números decimais, e não códigos binários; gastava muita energia e não tinha sistema operacional, pois tudo era feito manualmente. À época da visita, cerca de 24 anos atrás, o ENIAC era tido, de fato, como o primeiro computador do mundo. Hoje, discute-se esse primado com outras experiências pioneiras. Uma delas é a máquina Colossus, criada na Inglaterra no começo da década de 40, que contou com a participação do cientista Alan Turing, considerado o pai da ciência da computação. Por revelar conduta homossexual, Turing recebeu dos tribunais britânicos o castigo de castração química com hormônios. Esse crime oficial, bárbaro e cruel, levou o cientista à depressão e ao suicídio, em 1954, aos 41 anos de idade.
Lembrei-me dos famosos e pioneiros ENIAC e Colossus quando li, há poucos dias, uma notícia de que cresce na Inglaterra uma campanha em prol de pedido de desculpas à memória de Alan Turing, a ser feito pelo governo inglês. A campanha, que conta com o apoio dos escritores Ian McEwan e Richard Dawkins, ressalta o trabalho de Turing para livrar o mundo da tirania nazista, pois o cientista decifrou os códigos da máquina Enigma, usada pelos alemãs para orientar suas tropas durante a Segunda Guerra Mundial. Com isso, o poder de Hitler começou a decair, até a derrota final. Essa campanha, vista por alguns como inócua, tem o mérito de ser um apelo à reflexão sobre injustiças muitas vezes cometidas em nome de uma moral que não se sustenta. Expiar os erros, mesmo sem redimir o passado, é uma boa prática de “mea culpa” e serve para alertar sobre as dores que não devem se apagar da memória humana.
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