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Lembrei-me de um velho amigo do tempo em que exerci o cargo de reitor da UFRN, já se vão mais de 20 anos. Estava prestes a findar seu mandato de reitor de outra federal, quando lhe perguntei sobre seus projetos para o futuro. Respondeu-me mais ou menos assim: "Estou cansado do formalismo do dia a dia, dos atos solenes, de lidar com pessoas que se julgam importantes. Tenho uma granjinha e é pra lá que eu vou, em busca das coisas simples, informais e prosaicas da vida". Vez por outra relembro-me das suas palavras e da sua decisão, a qual não é rara de ocorrer com várias outras pessoas. Comigo mesmo, devo dizer, está muito presente o apego à informalidade, bem como à tendência em valorizar singelas passagens, muitas vezes repletas de significados. Mesmo sem esquecer dos cuidados com a segurança pessoal, há casos nos quais não perco a chance de abordar alguém que não conheço, no afã de obter algo a mais para completar algum cenário humano que me chama a atenção.
Quase todas as manhãs, ao sair para o trabalho, via pelo vidro do carro um cidadão idoso segurando um carneiro por uma corda, em um dos canteiros da rua, perto da minha casa. Ele – o homem – estava sempre com a mesma roupa, de boné, escorado em alguma árvore, e o animal pastando o capim ou as plantinhas nascidas ao acaso. Certo dia, parei, abri o vidro da porta do carro e puxei conversa. Aquele cidadão nunca me vira, mas, para mim, ele parecia um velho conhecido: "– Quer vender o bodinho? – Quero não senhor, e preste mais atenção: não é bode, é carneiro e até cheiroso ele é". Era um carneirinho preto, ainda novo e bem cuidado. Lembrei-me de um carneiro todo pretinho, um dos meus animais de estimação dos tempos de criança, presente de um amigo do meu pai. "– Quer trocar o bodinho, desculpe, o carneirinho, por este carro?" O dono do animal só aí olhou direto para mim, sorriu e não sei se entendeu a brincadeira: "De novo, não quero, pois não sei dirigir e esse trambolho vai ficar lá em casa parado. Meu animalzinho me serve muito, todos os dias de manhã eu saio com ele para passear, é o meu passatempo. Fique com seu carro que eu fico com meu bichinho". Agradeci sorrindo e saí também sem saber se ele falou sério ou apenas deu o troco do gracejo que lhe fiz.
Outro dia, também parei o carro em frente de casa, para conversar com um desconhecido. Sentado no meio-fio da calçada, perto do cesto de ferro onde se coloca o lixo doméstico para ser recolhido pelos garis, estava um homem jovem e magro, segurando um jornal, como se estivesse absorto em plena leitura. Vi que, em cima do lixo, estavam alguns jornais velhos e, ao lado, um rústico carrinho de catador. O homem só se deu conta do carro a sua frente quando lhe perguntei, depois de cordial bom dia: "Você gosta de ler?" Ele não se levantou, apenas abaixou o jornal. A barba estava por fazer e o semblante mostrava cansaço. – "Não sei ler direito, mas gosto muito. Toda vez que encontro um jornal ou uma revista, vou logo tentar entender o que está escrito. De tudo o que os ricos jogam fora, é o que eu mais gosto". Disse-me que aprendeu a ler sozinho, mas tudo fazia para os filhos terem outro destino. Durante a conversa, tentei ser alegre, mas a tristeza era nítida na face daquele pobre homem. Prometi-lhe algumas revistas, transmiti-lhe parabéns pela coragem e me despedi, incentivando-o a procurar uma escola para adultos. Afinal, nunca é tarde para começar uma boa tarefa ou ir em busca de boa causa. É só relembrar o que diz o Eclesiastes: "Há tempo para todo o propósito debaixo do céu".
Fiquei a pensar em quão desigual é o nosso país e em quantos talentos se perdem, porquanto a eles não chega o tão propalado, mas pouco aplicado, princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Apesar de certos avanços, cabe perguntar: no Brasil, cadê os direitos sociais presentes na Carta Magna cidadã de 1988?
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