Entrevista complementar Folha do Campus: Dr. Carlos Baptista - Centro Universitário do Rio Grande do Norte - UNI-RN
  • Home
  • Institucional
  • Entrevista complementar Folha do Campus: Dr. Carlos Baptista

Notícias

Entrevista complementar Folha do Campus: Dr. Carlos Baptista
19.06.2012

Em uma entrevista com o repórter Cleonildo Melo, o brasileiro que é a maior referência no mundo em plastinação e reside há mais de 20 anos nos Estados Unidos, conta a importância desta técnica, ética envolvendo o uso de corpos no estudo da Anatomia e faz uma avaliação sobre o VI Encontro de Anatomia do UNI-RN, que veio participar como palestrante convidado. ENTREVISTA: Carlos Baptista, presidente da Sociedade Internacional de Plastinação A outra face da anatomia Fixe bem nesse rosto que aparece em evidência na foto. É Carlos Baptista, uma das principais autoridades mundiais quando o assunto é plastinação, depois do criador da técnica, o alemão Gunther von Hagens. Ele poderia ter qualquer nacionalidade, mas é brasileiro, do estado de São Paulo. Vive nos Estados Unidos há 25 anos, onde aperfeiçoou o conhecimento acerca da técnica. O primeiro contato com a essa moderna maneira de livrar o corpo da decomposição foi em 1984, ainda na Universidade de São Paulo (USP), quando um amigo o presenteou com silicone e ele plastinou um coração. Anos depois, estava Carlos Baptista no Departamento de Anatomia da Universidade de Toledo, no estado americano de Ohio. Membro fundador e atual presidente da Sociedade Internacional de Plastinação, ele veio ao Rio Grande do Norte a convite do UNI-RN para falar sobre a técnica. Saiba mais sobre o assunto nessa entrevista exclusiva. Como o senhor vê a questão dessa técnica, em especial o criador quando expõe peças plastinadas, gerando uma certa polêmica? É muito interessante porque sempre foi sonho do professor Von Hagens. Lembro-me que ele já falava a respeito da técnica na década de 90. Imagina, a técnica de plastinação era recente. Mas, ele sempre teve essa idéia na cabeça, de popularizar a anatomia. Então, ele achou que, se fizesse uma anatomia para o povo, as pessoas que fossem ver se interessariam e iriam se cuidar mais. Saberiam por que aquele pulmão tem câncer e aquele não tem. Von Hagens fez as exposições com essa idéia. Tem sempre polêmica m torno disso porque algumas pessoas aceitam e outras não. A maioria delas aceita. Elas visitam as exposições de plastinação, olham os membros... Mas há pessoas que não toleram. É da mesma forma que acontece, por exemplo, com a doação de corpos. Há pessoas que aceitam essa doação e outras não. Nos Estados Unidos, 100% é doação de corpos. Quando não há a cremação, não é? Exatamente. Então, há essa controvérsia. Às vezes, é preciso pesar os benefícios com os problemas. E se pensarmos nos benefícios, foi uma coisa boa o que o professor Von Hagens fez. Mas ele sempre fez de forma chocante, numa tentativa de chamar atenção das pessoas. Aconteceram alguns problemas no início porque o acusaram de obter corpos ilegalmente e isso nunca foi provado. Porque o professor Von Hagens tem um catálogo onde jazem todas as peças das pessoas que doaram, que ele tem um serviço de doação especial. A mesma coisa aconteceu com um professor chinês. Acusaram-no de obter corpos de prisioneiros de guerra, e nada disso foi provado. Então, tem muita especulação e a gente não sabe a verdade. Mas o senhor não acha que a polêmica em torno disso tem mais a ver com o modo como os corpos são expostos do que a exposição meramente? Porque eles os coloca em algumas posições chocantes. Eu fiz essa pergunta para ele no ano passado, quando estivemos numa conferência em Toledo, nos Estados Unidos. A idéia dele é a seguinte: se ele colocasse um corpo estático, para o povo, seria mais chocante. Daí, ele achou que se colocasse os órgãos em posições corriqueiras, as pessoas não iriam olhar com medo e, sim, com curiosidade, com uma certa familiaridade. Para o ensino da anatomia, quais são os principais benefícios que essa técnica traz? Vamos supor que estou dissecando uma peça anatômica, que é o único cadáver que tenho no laboratório. Eu descubro que essa peça tem uma variação anatômica importante. E isso é uma raridade, um em mil exemplares. A técnica de plastinação me permite preservar essa peça para sempre. Qual a outra vantagem? Locais que não têm um número elevado de cadáveres. Se você tem um corpo, faz a plastinação para que esse corpo seja guardado. Você tem outro segundo corpo, você guarda. No ano seguinte, você tem outras peças. E assim vai acumulando um número maior de peças, o que será benefício para laboratório. Uma coisa que todo mundo esquece é que a plastinação é simplesmente uma técnica anatômica de preservação. Sempre tem que começar com a dessecação do corpo para, depois, fazer a plastinação. Porque a peça se torna rígida. Qual a diferença entre plastinação e embalsamento? No geral, o embalsamento usa a formolização do corpo. Qualquer peça anatômica precisa ser formolizada. A plastinação também começa com a formolização. Formoliza-se o corpo, disseca-se e aí você plastina. Qual é a diferença? Quando o acadêmico estuda anatomia, fica exposto ao formol. Ao manusear a peça oriunda da plastinação, isso não acontece. Não tem mais formol. Quem ficou exposto ao formol foi apenas a pessoa que preparou, não os alunos. Em termos de coloração , a plastinação acaba tirando a cor dos tecidos e órgãos? Toda vez que se faz a formolização, a peça fica mais amarronzada. Para tratar isso, lavo as minhas peças com água oxigenada e álcool para retirar os resíduos. Só então faço a plastinação, e as peças ficam claras. Se colocarmos o mínimo de corante, a peça pode ficar um pouco mais na cor rósea. As peças coloridas do Von Hagens são pintadas. Artísticamente, aquelas peças foram pintadas que se tenha a impressão de que é uma cor real. Se essa técnica surgiu ainda no final da década de 80, por que só agora ganhou um certo destaque? Porque não é tão difundida? Interessante. É uma ótima pergunta. Acontece o seguinte: o auge da técnica foi nos anos 80 e 90. No mundo inteiro, o pessoal achou aquilo tudo tão sensacional e investiu muito em laboratórios, mas muita gente estava despreparada. Eles aprenderam a técnica, mas os administradores de escolas não enxergaram muito o futuro e começaram a cortar verbas. Os laboratórios de plastinação começaram a fechar. As pessoas que sabiam fazer plastinação começaram se aposentar, então a técnica caiu um pouco. Isso em termos mundiais. No Brasil, isso foi um problema desde o início. Quando eu fiz a técnica, precisei de uma bomba de vácuo, câmara de vácuo, plástico e acetona. Outras pessoas que foram aprender a técnica, acharam que era extremamente difícil e onerosa. Então, isso eu acho que assustou um pouco o pessoal. Eles pensaram: nunca vou poder montar um laboratório de plastinação. Então, houve um esquecimento. E o senhor acredita que a possibilidade de se plastinar um corpo e até expô-lo, como o alemão está fazendo, faz com que as pessoas tenham um novo olhar sobre a vida e até sobre a morte também? Eu acho que isso sempre existiu. Porque se uma pessoa vai visitar um laboratório de anatomia tem sempre aquele choque interno. A pessoa que está vendo um corpo pela primeira vez tem sempre aquela reflexão introspectiva sobre a vida e a morte. Que é sempre a mesma coisa. Se você pensar bem, é a mesma coisa com o professor Van Hagens. Quando ele fez essa técnica de plastinação, para muita gente, foi o primeiro contato com vida e morte. E foi uma coisa fascinante porque, muitas vezes, a gente não pensa muito nisso. Algumas pessoas até fogem dessa reflexão. Como é que o senhor vê o ensino da anatomia no Brasil, em comparação om que está sendo feito no cenário internacional? Eu acho que o número de anatomistas clássicos que nós temos no Brasil é uma coisa excepcional comparado com países, como os Estados Unidos, onde muitos dos anatomistas clássicos se aposentaram e não foram repostos. Lá, há muito biologista molecular, muito geneticista, muita gente que trabalha em áreas que supostamente seriam áreas de anatomia, mas não são treinados na anatomia, como no Brasil. Nosso país é riquíssimo em termos de pessoal. E quais são as vantagens de se ter um bom número de anatomistas clássicos? Você imagina o seguinte: eu, médico, tento aprender uma técnica cirúrgica, por exemplo, como retirar uma vesícula. Há duas maneiras de ensinar ao aluno essa técnica. Eu repito o que está no livro ou mostro a minha técnica. Eu posso mostrar ao aluno porque aquele órgão é daquele jeito, porque a anatomia é importante. E aspessoas que praticamente viveram no laboratório como anatomistas clássicos têm essa informação, que adquiriram na prática como mestres. Os outros, que não têm essa vivência, não surgiram da anatomia, mas foram incorporados. Eles não tem a mesma base. Isso é o que está acontecendo nos EUA. Infelizmente, no Brasil, o maior problema que nós temos é a falta de corpos. O Brasil está ficando cada vez mais próspero, ao ponto em que o número de indigentes está sendo reduzido ao mínimo. Logo, não teremos indigentes no país. Então, precisamos iniciar uma campanha de doação de corpos,como já existe em algumas instituições do país. É preciso esclarecer à população de que o benefício da doação vai perpetuar o ensino para médicos, dentistas... toda a área biomédica. Eu penso assim: se você tem um corpo e esse corpo treinou um médico, que terá 10 mil pacientes durante toda a sua carreira, exagerando um pouco. Imagina que esse corpo treina 100 médicos, cada um responsável por 10 mil pacientes! Agora, imagina se você tem 10 corpos, você multiplica isso tudo. É uma cadeia. Mas, precisamos começar logo, porque isso vai sendo somado pouco a pouco. Nos Estados Unidos, é tudo doação. Na minha escola (Universidade de Toledo), recebemos por ano aproximadamente 200 cadáveres. Só doação. Nos livros, temos aproximadamente 5 mil cadáveres doados, desde de 1967. Hoje, temos 200 cadáveres por ano. Dá para todos os nossos cursos, e ainda sobra. Como o senhor avalia essa iniciativa do UNI RN de estar incentivando a anatomia artística? Acho excelente. Trabalho muito bonito. Principalmente por isso: quando você ensina anatomia, você ensina o que esta por dentro. Quando você faz essa parte artística, que você incorpora os desenhos, a pintura, não só se tranforma a anatomia interna numa coisa palpável. Faz com que o aluno aprenda muito mais e entenda os motivos que ele tem que aprender. O senhor acredita que essa aplicação é inédita no mundo? Eu acho inédita. Eu não conheço ainda outros lugares que tenham feito isso. O professor André Davin está de parabéns por ter feito isso. É uma iniciativa fantástica. O senhor encara, de certa forma, a técnica da anatomia artística se aproximando um pouco da plastinação, no sentido de trazer para o público essa visão do interior do corpo? Eu sempre achei que a anatomia e plastinação é uma arte e uma ciência. Da mesma maneira que você vê essa pintura, uma arte e ciência. A ciência está embaixo. E a arte ela está facilitando o entendimento da ciência. O senhor ministrar minicurso com os princípios básicos da plastinação e as três técnicas, de silicone, de epox e de poliéster. Quais seriam as diferenças entre esses três métodos? Se eu quero fazer uma peça anatômica, como, por exemplo a dissecção de um braço, ou de um cérebro ou de um fígado, o silicone é o melhor. Porque estou vendo a peça e tenho a peça em minha mão. Se eu quero cortes seriados da cabeça, por exemplo, eu uso o poliéster, porque dá um contraste maior. Se eu quero cortes seriados do corpo, por exemplo, do pé, eu faço com epox porque me dá um pouco de transparência. Eu posso ver o que é tecido gorduroso, o que é músculo, o que é nervo. Então, são as três bases. Quem participar desse minicurso vai estar apto a plastinar? É como aconteceu comigo. A primeira vez que eu ouvi falar na plastinação, pensei que era um bicho de sete cabeças. A idéia é mostrar para as pessoas que isso não é um bicho de sete cabeças. 'É interessante, agora eu entendo porque que a técnica é feita e como ela é feita!' Claro que eles não vão aprender a técnica, até porque, para prender a técnica, é preciso praticar no laboratório. As pessoas quando vão lá (nos Estados Unidos) ficam dois ou três meses comigo para aprender. Eu mostro como é que é todo o processo. ENTREVISTA: Carlos Baptista, presidente da Sociedade Internacional de Plastinação A outra face da anatomia Fixe bem nesse rosto que aparece em evidência na foto. É Carlos Baptista, uma das principais autoridades mundiais quando o assunto é plastinação, depois do criador da técnica, o alemão Gunther von Hagens. Ele poderia ter qualquer nacionalidade, mas é brasileiro, do estado de São Paulo. Vive nos Estados Unidos há 25 anos, onde aperfeiçoou o conhecimento acerca da técnica. O primeiro contato com a essa moderna maneira de livrar o corpo da decomposição foi em 1984, ainda na Universidade de São Paulo (USP), quando um amigo o presenteou com silicone e ele plastinou um coração. Anos depois, estava Carlos Baptista no Departamento de Anatomia da Universidade de Toledo, no estado americano de Ohio. Membro fundador e atual presidente da Sociedade Internacional de Plastinação, ele veio ao Rio Grande do Norte a convite do UNI-RN para falar sobre a técnica. Saiba mais sobre o assunto nessa entrevista exclusiva. Como o senhor vê a questão dessa técnica, em especial o criador quando expõe peças plastinadas, gerando uma certa polêmica? É muito interessante porque sempre foi sonho do professor Von Hagens. Lembro-me que ele já falava a respeito da técnica na década de 90. Imagina, a técnica de plastinação era recente. Mas, ele sempre teve essa idéia na cabeça, de popularizar a anatomia. Então, ele achou que, se fizesse uma anatomia para o povo, as pessoas que fossem ver se interessariam e iriam se cuidar mais. Saberiam por que aquele pulmão tem câncer e aquele não tem. Von Hagens fez as exposições com essa idéia. Tem sempre polêmica m torno disso porque algumas pessoas aceitam e outras não. A maioria delas aceita. Elas visitam as exposições de plastinação, olham os membros... Mas há pessoas que não toleram. É da mesma forma que acontece, por exemplo, com a doação de corpos. Há pessoas que aceitam essa doação e outras não. Nos Estados Unidos, 100% é doação de corpos. Quando não há a cremação, não é? Exatamente. Então, há essa controvérsia. Às vezes, é preciso pesar os benefícios com os problemas. E se pensarmos nos benefícios, foi uma coisa boa o que o professor Von Hagens fez. Mas ele sempre fez de forma chocante, numa tentativa de chamar atenção das pessoas. Aconteceram alguns problemas no início porque o acusaram de obter corpos ilegalmente e isso nunca foi provado. Porque o professor Von Hagens tem um catálogo onde jazem todas as peças das pessoas que doaram, que ele tem um serviço de doação especial. A mesma coisa aconteceu com um professor chinês. Acusaram-no de obter corpos de prisioneiros de guerra, e nada disso foi provado. Então, tem muita especulação e a gente não sabe a verdade. Mas o senhor não acha que a polêmica em torno disso tem mais a ver com o modo como os corpos são expostos do que a exposição meramente? Porque eles os coloca em algumas posições chocantes. Eu fiz essa pergunta para ele no ano passado, quando estivemos numa conferência em Toledo, nos Estados Unidos. A idéia dele é a seguinte: se ele colocasse um corpo estático, para o povo, seria mais chocante. Daí, ele achou que se colocasse os órgãos em posições corriqueiras, as pessoas não iriam olhar com medo e, sim, com curiosidade, com uma certa familiaridade. Para o ensino da anatomia, quais são os principais benefícios que essa técnica traz? Vamos supor que estou dissecando uma peça anatômica, que é o único cadáver que tenho no laboratório. Eu descubro que essa peça tem uma variação anatômica importante. E isso é uma raridade, um em mil exemplares. A técnica de plastinação me permite preservar essa peça para sempre. Qual a outra vantagem? Locais que não têm um número elevado de cadáveres. Se você tem um corpo, faz a plastinação para que esse corpo seja guardado. Você tem outro segundo corpo, você guarda. No ano seguinte, você tem outras peças. E assim vai acumulando um número maior de peças, o que será benefício para laboratório. Uma coisa que todo mundo esquece é que a plastinação é simplesmente uma técnica anatômica de preservação. Sempre tem que começar com a dessecação do corpo para, depois, fazer a plastinação. Porque a peça se torna rígida. Qual a diferença entre plastinação e embalsamento? No geral, o embalsamento usa a formolização do corpo. Qualquer peça anatômica precisa ser formolizada. A plastinação também começa com a formolização. Formoliza-se o corpo, disseca-se e aí você plastina. Qual é a diferença? Quando o acadêmico estuda anatomia, fica exposto ao formol. Ao manusear a peça oriunda da plastinação, isso não acontece. Não tem mais formol. Quem ficou exposto ao formol foi apenas a pessoa que preparou, não os alunos. Em termos de coloração , a plastinação acaba tirando a cor dos tecidos e órgãos? Toda vez que se faz a formolização, a peça fica mais amarronzada. Para tratar isso, lavo as minhas peças com água oxigenada e álcool para retirar os resíduos. Só então faço a plastinação, e as peças ficam claras. Se colocarmos o mínimo de corante, a peça pode ficar um pouco mais na cor rósea. As peças coloridas do Von Hagens são pintadas. Artísticamente, aquelas peças foram pintadas que se tenha a impressão de que é uma cor real. Se essa técnica surgiu ainda no final da década de 80, por que só agora ganhou um certo destaque? Porque não é tão difundida? Interessante. É uma ótima pergunta. Acontece o seguinte: o auge da técnica foi nos anos 80 e 90. No mundo inteiro, o pessoal achou aquilo tudo tão sensacional e investiu muito em laboratórios, mas muita gente estava despreparada. Eles aprenderam a técnica, mas os administradores de escolas não enxergaram muito o futuro e começaram a cortar verbas. Os laboratórios de plastinação começaram a fechar. As pessoas que sabiam fazer plastinação começaram se aposentar, então a técnica caiu um pouco. Isso em termos mundiais. No Brasil, isso foi um problema desde o início. Quando eu fiz a técnica, precisei de uma bomba de vácuo, câmara de vácuo, plástico e acetona. Outras pessoas que foram aprender a técnica, acharam que era extremamente difícil e onerosa. Então, isso eu acho que assustou um pouco o pessoal. Eles pensaram: nunca vou poder montar um laboratório de plastinação. Então, houve um esquecimento. E o senhor acredita que a possibilidade de se plastinar um corpo e até expô-lo, como o alemão está fazendo, faz com que as pessoas tenham um novo olhar sobre a vida e até sobre a morte também? Eu acho que isso sempre existiu. Porque se uma pessoa vai visitar um laboratório de anatomia tem sempre aquele choque interno. A pessoa que está vendo um corpo pela primeira vez tem sempre aquela reflexão introspectiva sobre a vida e a morte. Que é sempre a mesma coisa. Se você pensar bem, é a mesma coisa com o professor Van Hagens. Quando ele fez essa técnica de plastinação, para muita gente, foi o primeiro contato com vida e morte. E foi uma coisa fascinante porque, muitas vezes, a gente não pensa muito nisso. Algumas pessoas até fogem dessa reflexão. Como é que o senhor vê o ensino da anatomia no Brasil, em comparação om que está sendo feito no cenário internacional? Eu acho que o número de anatomistas clássicos que nós temos no Brasil é uma coisa excepcional comparado com países, como os Estados Unidos, onde muitos dos anatomistas clássicos se aposentaram e não foram repostos. Lá, há muito biologista molecular, muito geneticista, muita gente que trabalha em áreas que supostamente seriam áreas de anatomia, mas não são treinados na anatomia, como no Brasil. Nosso país é riquíssimo em termos de pessoal. E quais são as vantagens de se ter um bom número de anatomistas clássicos? Você imagina o seguinte: eu, médico, tento aprender uma técnica cirúrgica, por exemplo, como retirar uma vesícula. Há duas maneiras de ensinar ao aluno essa técnica. Eu repito o que está no livro ou mostro a minha técnica. Eu posso mostrar ao aluno porque aquele órgão é daquele jeito, porque a anatomia é importante. E aspessoas que praticamente viveram no laboratório como anatomistas clássicos têm essa informação, que adquiriram na prática como mestres. Os outros, que não têm essa vivência, não surgiram da anatomia, mas foram incorporados. Eles não tem a mesma base. Isso é o que está acontecendo nos EUA. Infelizmente, no Brasil, o maior problema que nós temos é a falta de corpos. O Brasil está ficando cada vez mais próspero, ao ponto em que o número de indigentes está sendo reduzido ao mínimo. Logo, não teremos indigentes no país. Então, precisamos iniciar uma campanha de doação de corpos,como já existe em algumas instituições do país. É preciso esclarecer à população de que o benefício da doação vai perpetuar o ensino para médicos, dentistas... toda a área biomédica. Eu penso assim: se você tem um corpo e esse corpo treinou um médico, que terá 10 mil pacientes durante toda a sua carreira, exagerando um pouco. Imagina que esse corpo treina 100 médicos, cada um responsável por 10 mil pacientes! Agora, imagina se você tem 10 corpos, você multiplica isso tudo. É uma cadeia. Mas, precisamos começar logo, porque isso vai sendo somado pouco a pouco. Nos Estados Unidos, é tudo doação. Na minha escola (Universidade de Toledo), recebemos por ano aproximadamente 200 cadáveres. Só doação. Nos livros, temos aproximadamente 5 mil cadáveres doados, desde de 1967. Hoje, temos 200 cadáveres por ano. Dá para todos os nossos cursos, e ainda sobra. Como o senhor avalia essa iniciativa do UNI RN de estar incentivando a anatomia artística? Acho excelente. Trabalho muito bonito. Principalmente por isso: quando você ensina anatomia, você ensina o que esta por dentro. Quando você faz essa parte artística, que você incorpora os desenhos, a pintura, não só se tranforma a anatomia interna numa coisa palpável. Faz com que o aluno aprenda muito mais e entenda os motivos que ele tem que aprender. O senhor acredita que essa aplicação é inédita no mundo? Eu acho inédita. Eu não conheço ainda outros lugares que tenham feito isso. O professor André Davin está de parabéns por ter feito isso. É uma iniciativa fantástica. O senhor encara, de certa forma, a técnica da anatomia artística se aproximando um pouco da plastinação, no sentido de trazer para o público essa visão do interior do corpo? Eu sempre achei que a anatomia e plastinação é uma arte e uma ciência. Da mesma maneira que você vê essa pintura, uma arte e ciência. A ciência está embaixo. E a arte ela está facilitando o entendimento da ciência. O senhor ministrar minicurso com os princípios básicos da plastinação e as três técnicas, de silicone, de epox e de poliéster. Quais seriam as diferenças entre esses três métodos? Se eu quero fazer uma peça anatômica, como, por exemplo a dissecção de um braço, ou de um cérebro ou de um fígado, o silicone é o melhor. Porque estou vendo a peça e tenho a peça em minha mão. Se eu quero cortes seriados da cabeça, por exemplo, eu uso o poliéster, porque dá um contraste maior. Se eu quero cortes seriados do corpo, por exemplo, do pé, eu faço com epox porque me dá um pouco de transparência. Eu posso ver o que é tecido gorduroso, o que é músculo, o que é nervo. Então, são as três bases. Quem participar desse minicurso vai estar apto a plastinar? É como aconteceu comigo. A primeira vez que eu ouvi falar na plastinação, pensei que era um bicho de sete cabeças. A idéia é mostrar para as pessoas que isso não é um bicho de sete cabeças. 'É interessante, agora eu entendo porque que a técnica é feita e como ela é feita!' Claro que eles não vão aprender a técnica, até porque, para prender a técnica, é preciso praticar no laboratório. As pessoas quando vão lá (nos Estados Unidos) ficam dois ou três meses comigo para aprender. Eu mostro como é que é todo o processo.

VOLTAR
Whatsapp

Utilizamos cookies para assegurar que lhe fornecemos a melhor experiência na nossa página web.

Política de Privacidade Ver opções