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Em um dos seus exponenciais livros, Civilização e Cultura, Câmara Cascudo, no capítulo dedicado à Domesticação de animais, afirma: “O cão foi o primeiro animal que ingressou no convívio humano. É o mais universal dos mamíferos. Exceto os relativamente recentes de cães para almofadas e regaço, é auxiliar imediato e pronto para o serviço humano, em qualquer parte do mundo. Era o único a carregar fardos no Novo Continente, superior à lhana fracalhona. Sua popularidade torna-se fabulosa (...). O latido é característico da domesticação. O cão selvagem não ladra. Esculpido aos pés das estátuas tumulares como símbolo de fidelidade (...). Curioso é que no Brasil seja cachorro, mais popular do que cão. Cachorro era tradicional na Península Ibérica, uns 1.500 anos a.C..”
A seguir, um breve e saudoso relato dos cães aos quais dediquei e recebi afeição por grande parte da minha vida.
Quando criança, em Nova Cruz-RN, criei um lindo cachorro de nome Lassie, presente de meus pais que o trouxeram do Recife. Ele veio em viagem de trem, pois, no passado, Nova Cruz se ligava por via férrea a Natal, a João Pessoa e a Recife. Foram muitos avanços que o trem proporcionou à maioria das cidades do Nordeste, um progresso que, por descaso ou inépcia, deixaram definhar. Para mim, em particular, e para meus irmãos, o trem era uma festa, não somente pelo burburinho alegre da estação de Nova Cruz, mas também pelas viagens para João Pessoa, cidade dos meus avós paternos. Ainda hoje, ressoam na minha mente o apito da máquina Maria Fumaça, a voz dos vendedores de rolete de cana e o badalar dos sinos das estações. Mas há uma outra benesse: o trem tornou viável a vinda do Recife do meu cãozinho Lassie, talvez uma mistura de vira-lata com collie. Tinha pelos amarelo-ouro, era dócil, brincalhão e encheu de alegrias nossa casa de Nova Cruz, no meu tempo de menino.
Pouco depois de casar e de ter minha casa, tratei logo de criar um cachorro pequinês, todo pretinho, de nome Bug. Ele iniciou uma sequência de 12 cães, machos e fêmeas, que adotei e criei, sob constantes cuidados e carinhos de toda a família. Devo dizer que sempre optei por cachorros que fossem nascidos de cruzamento de raças, melhor dizendo, que mostrassem algum sinal de origem vira-lata, pois muito me prendem a atenção esses cãezinhos tão espertos, leais e resistentes. Ah! Houve uma exceção, uma cadela de raça pura, a mais inteligente e a mais bonita que já passou pela minha casa, onde viveu por 18 anos. De fato, ela era de raça pura, vira-lata pura, magrinha, esbelta, rápida, atenta, cor amarelo-mel, de porte médio-pequeno. Veio da praia de Pirangi do Norte, e sua mãe chamava-se Catita, uma cadela de rua muito conhecida naquela praia, ainda no tempo em que o local era calmo e sem barulho. Para relembrar o nome da mãe, talvez, ela pegava qualquer catita errante que tentasse entrar em casa. Ganhava dos gatos.
Nos dias atuais, tenho em casa um belo exemplar de cão, talvez uma mistura de vira-lata com pastor. É robusto, tamanho médio, e atende pelo nome de Forte. O dono dele mesmo é meu neto Gabriel, na casa de quem Forte viveu os primeiros meses de vida. O cachorro cresceu tanto que logo tornou-se inviável tê-lo em um apartamento de convivência muito intensa. Isto levou Gabriel a me dar a sugestão de criar Forte, e usou essa expressão: “Vô, é guarda compartilhada”. Aceitei de pronto e, desde então, só tenho alegrias pela guarda constante deste amigo sincero. Em dias recentes, vi a notícia de que a guarda compartilhada de pets ganhou jurisprudência, com decisões judiciais que determinam animais de estimação viverem dias da semana alternados em casas diferentes dos ex-cônjuges. Até nos Estados Unidos, a partir de 2017, a guarda compartilhada de pets já chegou aos Tribunais.
Daladier Pessoa Cunha Lima
Reitor do UNI-RN
Artigo publicado na edição de 28/09/2023 na Tribuna do Norte
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