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Ficção da vida real
07.06.2007
Ladrões invadem velório no Ceará – “(...) três homens entraram na casa onde o morto estava sendo velado. (...) e levaram celulares, carteiras e uma moto das pessoas. Nem o morto foi poupado. Ele teve os sapatos levados pelos ladrões”. (Tribuna do Norte - 10/05/07).
Menino da roça, ele ajudava a família na lavoura, mas gostava de freqüentar a escola do lugarejo, na qual não se entrava com os pés descalços. Essa exigência o angustiava, pois somente possuía um surrado par de alpercatas de couro cru. Vários colegas usavam tênis e até sapatos, mesmo parecendo ser de segunda-mão. Às vezes se surpreendia olhando para os calçados dos colegas e, por que não dizer, um lance de inveja tocava-lhe a alma.
Aos 13 anos, foi morar na cidade mais próxima, a fim de continuar os estudos. Hospedou-se em casa de um tio e, logo depois, começou a trabalhar em pequena loja tipo mercearia. Com os primeiros salários, comprou algumas roupas e um par de tênis, o que o deixou muito feliz. Aos 22 anos, tendo completado o ensino médio, veio o convite de emprego na maior loja da cidade, que vendia quase tudo, inclusive sapatos. Passou a morar em modesta hospedaria e, então, resolveu casar, ter sua própria casa, mulher e filhos. Mas, as namoradas que tivera não lhe interessaram para casamento. De repente, conheceu bonita e simpática moça, por quem se apaixonou e de quem recebeu provas de verdadeiro amor. Com dois anos de namoro e noivado, o casamento foi realizado na Igreja matriz, seguido de alegre festa dançante na casa do tio. A noiva toda de branco, com véu e grinalda, a indicar que se manteve dentro dos limites, apesar da louca paixão entre os dois. O noivo usou roupa e sapatos comprados na própria loja na qual trabalhava. Tudo teria sido sem falhas se não fossem os dolorosos calos ocasionados pelos reluzentes sapatos novos. Ele então pensou: “Um dia eu compro uns sapatos bonitos e macios, iguais aos dos ricos”.
O casal teve cinco filhos e a família se mudou para a capital, na busca de melhores condições de vida, até ele se aposentar pelo INSS. Tendo mais tempo para passear, resolveu realizar seu sonho: comprou um par de sapatos bastante caros, em uma das melhores sapatarias da cidade. Ah! Agora sim, podia ir a qualquer lugar com os pés bem protegidos. E disse para a mulher: “Estes aqui vão comigo até para a última morada”. Mas que tristeza! Na primeira vez que saiu com os novos calçados, foi atacado por ladrões, em plena rua, os quais, inclusive, deixaram-no descalço. Segurando-se para não chorar, deu parte na delegacia e, em uma semana, algo muito bom aconteceu: a polícia devolveu-lhe seu tão acalentado desejo de consumo.
Poucos dias depois, logo cedo ao acordar, disse para sua companheira de tantos anos: “Tive um sonho horrível. Sonhei que havia morrido de um mal súbito. No velório, apesar de morto e dentro do caixão, eu via três homens armados assaltarem as pessoas presentes, mas não podia me levantar. Agonia maior foi quando os larápios tiraram meus sapatos...” Sorrindo, a mulher exclamou: “Somente em sonho pode acontecer uma coisa dessas. Onde já se viu ladrão querer levar sapatos de defunto?” Ele respirou aliviado. Com leve sorriso nos lábios, olhou para os sapatos que estavam em um canto do quarto e pensou em suas alpercatas de couro cru, usadas para ir à escola no tempo de menino da roça.
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