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Gato Escaldado...
14.05.2004
Há poucos dias, uma amiga, jornalista, disse-nos não estar bem, pois sentia dor no estômago e náuseas. Tudo começou com o uso de um medicamento anti-inflamatório, indicado por funcionário de uma farmácia, para combater uma lombalgia instalada repentinamente. Dois dias depois, sentiu mal estar no abdome e, para aliviar, resolveu tomar sonrisal. Bem, aí as coisas pioraram, achava que uma velha gastrite havia retornado e, então, ia correndo para o médico.
Esse é um exemplo típico de auto-medicação, hábito tão comum na população brasileira e que deve ser desencorajado. Tomar medicamento inadequado, por iniciativa própria ou guiado por sugestões de pessoas inabilitadas pode conduzir a malefícios ao organismo, desde pequenos eventos até riscos sérios à saúde.
Coincidentemente, no mesmo dia, nos deparamos, um tanto estarrecidos, com entrevista do médico John Abramson, Professor da Universidade de Harvard (USA), sobre o uso abusivo de medicamentos pela população americana. Ele acusava a indústria farmacêutica de exagerada ganância de lucro, em detrimento dos reais benefícios para a saúde da população, com o beneplácito, a ineficiência e a chancela por parte da poderosa FDA (Food and Drug Administration). Na entrevista, concedida ao jornal “Folha de São Paulo” (03/01/2005), Dr. Abramson, autor do livro “Overdo$ed América: The Broken Promise of American Medicine”, faz severas críticas ao sistema que envolve a produção e a regulamentação de medicamentos nos Estados Unidos: “O problema é que o conhecimento médico-científico foi transformado em propriedade comercial, cuja função é dar dinheiro aos patrocinadores, não melhorar nossa saúde”. E mais adiante: “O que temos nesse momento é um time de futebol que comprou o juiz. Não dá pra ter jogo honesto assim. Mas as empresas farmacêuticas sabem que podem se dar bem sem fazer o bem”.
É de estarrecer as declarações do corajoso médico americano, pois abala a credibilidade da FDA, até então, para nós, parâmetro de segurança e eficácia, além de expor, sem arrodeios, a realidade cruel de uma indústria que lida com um bem superior – a saúde da população.
Sabemos que esse problema tem dimensão mundial, com variações que dependem, entre outros fatores, da legislação que regulamenta a matéria, do rigor governamental na aplicação das medidas disciplinadoras, da ação dos profissionais e dos conselhos respectivos, além dos aspectos culturais predominantes nos habitantes de um país ou mesmo de uma região.
A questão do Vioxx, causador de transtornos cardíacos severos, e o aumento de suicídios entre jovens que tomavam antidepressivos da classe do Prozac é bem elucidativa. A Anvisa, recentemente, proibiu a venda de 130 remédios que ofereciam risco aos usuários. Quantos outros medicamentos, ingeridos diariamente por muita gente, estão causando danos maiores do que prováveis benefícios à saúde.
Não apregoamos a execração da indústria farmacêutica; longe disso, pois não podemos desconhecer o lado bom, revelado na descoberta de novas e eficientes terapêuticas, quando trabalham em associação com a pesquisa científica séria e avançada. Todavia, temos o dever e o direito de nos proteger da avalanche desenfreada de remédios que são lançados sob a lógica exclusiva do capital. A auto-medicação, em geral, deve ser evitada, e os médicos hão de ser precavidos na prescrição terapêutica medicamentosa, sempre atentos às forças oriundas nos interesses comerciais que os cercam diuturnamente.
Agora, depois dos episódios do Vioxx e das denúncias do Dr. Abramson, temos suficiente motivo para dizer: Cuidado! medicamentos à solta! E acrescentar: “Todo gato escaldado tem (deve ter) medo d’água fria”.
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