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O título acima foi a manchete principal do jornal Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, edição de 02 de março de 1919. Chamava a atenção para o triunfo do carnaval de 1919, naquela cidade, que havia passado por um terrível flagelo, a Gripe Espanhola, de setembro a novembro de 1918. Além das tensões causadas pela virose, o fim da Primeira Guerra Mundial também era motivo de explosão de alegria coletiva em uma urbe onde a descontração sempre foi marca própria da sua gente. O poeta Bastos Tigre, com o cognome de Pierrot, criou essa quadrinha, muito cantada na festa: “Quem não morreu da espanhola, quem dela pôde escapar, não dá mais trato à bola, toca a rir, toca a brincar.” O escritor Nelson Rodrigues (1912-1987) – à época com apenas seis anos – escreveu, em 1967: “Começou o Carnaval e, de repente, da noite para o dia, usos, costumes e pudores tornaram-se antigos, obsoletos, espectrais.” E o Rio, que, poucos meses atrás, vivera uma tragédia sem par, e viu muitos corpos das vítimas da gripe serem levados em caminhões como sacos de lixo, passa a ter ruas repletas de música, de fantasia, de dança, de erotismo, um verdadeiro grito de vitória contra a dor e a morte.
O escritor Ruy Castro, em seu livro “O Carnaval da guerra e da gripe”, escreveu que a doença chegou ao Rio no dia 16 de setembro de 1918, quando atracou no porto o navio Demerara, vindo de Lisboa, com uma escala fatal em Dakar. A gripe desceu do navio com os marujos que se espalharam pela praça Mauá, e “beijaram na boca das mulheres que lhes abriram os braços”. As pessoas começaram a adoecer e a morrer. O alerta maior só veio quando as mortes foram a mais de 100 por dia. O Rio pagou o mais alto tributo à doença, superior a outras cidades litorâneas, a exemplo de Recife, Salvador e Santos. Ruy Castro cita o médico e escritor Pedro Nava, em relato de cena atroz que ele vira na rua: uma criança esfomeada sugando os peitos da mãe morta e já em fase de decomposição.
A partir de novembro de 1918, a gripe no Rio começou a declinar, até se despedir da cidade. A guerra também estava perto do fim, pois, a 11 de novembro, os países bélicos selaram armistício, tendo como palco um vagão-restaurante, à margem do rio Oise, afluente do Sena. Chegara o momento exato da ruptura das tensões. “O Carnaval de 1919 seria o da revanche – a grande desforra contra a peste que quase dizimara a cidade”, diz o escritor Ruy Castro. Em janeiro, o comércio inundou o Rio com os artigos momescos: lança-perfume, serpentina, confete, quepes, bonés, luvas, meias, leques, enfim, um grande arsenal para animar a grande festa. Muitas das fantasias foram feitas em casa, nas máquinas Singer. O Carnaval de 1919 no Rio de Janeiro tornou-se emblemático para a reação humana coletiva, no confronto entre profunda tristeza e grande euforia. A famosa avenida Rio Branco foi o espaço público da festa, mas, em qualquer lugar, a alegria era radiante. Na mente dos cariocas era só brincar e se divertir, para esquecer as recentes tensões. Ao concluir, o escritor Ruy Castro exclama: “Na Quarta-feira de Cinzas, o Rio despertou convicto de que vivera o maior carnaval da sua história. (...) Só nove meses depois se saberia a enorme quantidade de filhos do Carnaval, gerados naquele período”. Deveras, foi um Carnaval Triumphante, com ph.
Daladier Pessoa Cunha Lima
Reitor do UNI-RN
Publicado na edição desta quinta-feira, 25/06/2020, do jornal Tribuna do Norte
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