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Vez por outra, leio o obituário da Folha de S. Paulo, escrito por autores diversos, bem como, de forma rara, retorno ao O Livro das Vidas, Companhia das Letras – 2008 – obra que se dedica a esse tipo de textos jornalísticos do jornal New York Times. Os obituários do NY Times, mantidos desde 1851, são fontes literárias interessantes, provindas de pequenas histórias humanas. Muitas vezes, o jornal convida preclaros escritores para prepararem o obituário de figuras famosas que estão em fase de provável desenlace fatal. Porém, com certa frequência, pode a ilustre pessoa sobreviver a quem escreveu, por antecipação, o seu requiem. Em crônica, Ruy Castro diz que David Rockefeller (19l5-2017) sobreviveu a cinco escritores que produziram curtos textos biográficos do ilustre magnata como se fossem post mortem. Ruy afirma que ele mesmo, a pedido da Folha, escreveu, com igual finalidade, sobre Dercy Gonçalves, cujo óbito só veio a ocorrer 28 anos depois da página por ele escrita.
O obituário da Folha divide o foco entre pessoas de destaque na vida e na profissão, com outras anônimas, cujos nomes nunca foram além de restritos limites, em cidades de todo o país. Vejam o resumo do obituário de Francisco Martins do Nascimento (1948-2017), escrito por Edoardo Ghiroto, sob o título: “O recruta que se tornou herói em queda de avião”. Nascimento era recruta do Exército quando, em 1968, o avião em que viajava caiu na floresta amazônica. O avião estava com 44 pessoas a bordo e quatro perderam a vida no acidente. Apesar da pouca experiência, ele assumiu a tarefa de resgate, cuidou dos feridos, enfim, tornou-se o líder naquele momento decisivo. Poucos dias depois, o Exército localizou os destroços e as vítimas, graças ao fogo e à fumaça feitos pelo recruta, o herói daqueles trágicos dias na selva. Ele não recebeu qualquer promoção, a não ser a de cabo, pelo tempo de serviço, mas as pessoas da sua cidade, a 300 km de Porto Velho (RO), passaram a tê-lo como herói. Sofrendo de câncer no fígado, Nascimento morreu em 05/04/2017, deixando a mulher, oito filhos, 21 netos e 08 bisnetos. Esse texto sobre o recruta entra na lista dos obituários de “pessoas comuns que fizeram coisas incomuns”.
O jornalista e escritor brasileiro Matinas Suzuki Jr., organizador de O Livro das Vidas, afirma que os melhores obituários são de figuras desconhecidas para nós, e que nos deixam a ideia de lamento por não termos tido a chance de conhecê-las. Para ele, Alden Whitman (1913-1990) é o pai do obituário moderno, consagrado pelo longo trabalho nessa área no New York Times. Gay Talese, um dos principais nomes do jornalismo literário do mundo, também reforça que Alden Whitman deu prestígio aos obituários, fazendo da seção uma das mais lidas dos jornais.
No posfácio do livro citado, Suzuki escreve: “Um obituário é quase sempre uma ode à vida, ainda que reitere a brevidade de tudo, ao tornar o ponto final da existência como o ponto de partida do jornalismo”. Nesses escritos é notável o poder de síntese, além de que a primeira frase do texto deve ter o poder de definir uma vida. Tomemos ao pé da letra a primeira frase do obituário ao qual me referi nesta crônica: “Um acidente de avião faz um recruta do Exército virar herói para os mais de 40 mil habitantes de Guajará-Mirim, a 330 km de Porto Velho (RO)”.
Daladier Pessoa Cunha Lima
Reitor do UNI-RN
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