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Prazer em conhecer
04.06.2009
Lembro da palestra que o Professor Miguel Nicolelis fez na FARN, há cerca de três anos, sobre o projeto do Instituto de Neurociências (IINN – ELS), em fase de implantação nas cidades de Natal e Macaíba. Ao final, sob a emoção causada pelas ousadas ideias que acabara de conhecer, afirmei se tratar de algo grandioso, capaz de mudar, a longo prazo, o próprio país, ou seja, tratava-se de um projeto de nação. Disse isso porque percebi nas palavras do Professor Miguel a força de um ideal de transformar o Brasil pela educação, tendo a ciência como carro-chefe de todo o processo. O fato de se instalar no Rio Grande do Norte um centro de pesquisa avançada em neurociências, semelhante aos melhores do mundo, é quase inimaginável, e, por si só, já seria uma grande quebra de paradigmas, um choque para os que preferem guardar os feudos do saber. Mas existe outro motivo para o ânimo de Nicolelis e de sua equipe, voltado para o papel da ciência na educação de jovens, com uma prática pedagógica inovadora. Em duas escolas, nas cidades acima citadas, cerca de 1.000 alunos da rede pública de ensino têm vivido uma experiência única, na qual esses adolescentes encaram os estudos com alegria, ou seja, eles sentem “Prazer em conhecer”.
Esse é o título do livro lançado há pouco pela Papirus, fruto de uma entrevista com dois médicos educadores, Miguel Nicolelis e Dráuzio Varela, conduzida pelo jornalista e escritor Gilberto Dimenstein. São somente 112 páginas, para serem lidas de um fôlego só, em face do conteúdo de cunho social, além do primor das perguntas e das respostas. Os dois médicos paulistanos falam sobre suas infâncias, as fases difíceis de suas vidas, as causas que os levaram à medicina e os desafios para chegarem à colação de grau na USP. Afora o curso de graduação, os dois têm muito em comum: são de famílias de imigrantes italianos, passaram pela escola pública, apontam professores que lhes serviram de exemplos, e, além do amor à pesquisa, “a educação passou a ser o grande projeto de suas vidas”. Dizem ser ateus, mas – quem sabe? – ainda têm muito tempo para pressentirem Deus em seus caminhos.
Dráuzio Varela nasceu em 1943, e o Brás foi o bairro do tempo de menino. Lá, quase todos jovens cedo paravam de estudar e iam trabalhar nas fábricas. Perdeu a mãe aos quatro anos, vítima de miastenia, e a avó, que lhe deu amparo, também logo morreu, fatos que talvez o tenham levado à medicina. São muitos detalhes nas várias etapas da vida do médico e escritor Dráuzio Varela. Porém, merecem destaques a luta pioneira no combate à Aids e a experiência em ensinar os cuidados com a saúde por meio da mídia, em âmbito nacional. Li suas principais obras, ótimos livros: Estação Carandiru, Borboletas da alma, Por um fio e O médico doente. Agora, com a leitura de Prazer em Conhecer, entendi melhor seu trabalho para vencer barreiras e preconceitos, ao ponto de se transformar em obstinado arauto da prevenção de doenças no país.
Miguel Nicolelis relembra o tempo de criança na casa da avó, no bairro de Moema. A avó Lígia foi sua grande mentora, fazendo-o despertar para as aventuras das descobertas, para a curiosidade, essencial na formação do futuro cientista. Ele fala da ciência como meio para se criar um propósito para a vida. Ao se referir sobre o projeto do IINN – ELS no Rio Grande do Norte, em especial sobre as escolas – que precisam ser replicadas –, o Professor Miguel reforça a ideia do prazer em aprender. Reporta-se à pedagogia que vê a felicidade do aprendiz em primeiro lugar. E diz ser preciso que as crianças tenham liberdade de explorar sem medo. “Porque sem felicidade, sem se sentir aceito e amado, nada se aprende”.
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