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Uma cidade, um mestre e um museu
24.01.2013

No primeiro dia de 2013, viajei para São Paulo. Encontrei a cidade calma, trânsito tranquilo e, por sorte, sem os temporais previstos. Disseram-se que todo esse sossego nas ruas devia-se à ausência de muitas pessoas, ainda curtindo as férias de final/começo de ano, mas, logo tudo voltaria ao corre-corre de sempre. Lembrei-me do tempo em que morei lá, 1972, quando fui fazer um curso de especialização em doenças tropicais e um estágio prático na área das moléstias infecciosas, na Faculdade de Medicina e no Hospital das Clínicas da USP. Agora, neste início de 2013, a cidade parecia aquela de 40 anos atrás, de fácil mobilidade e sem maiores estresses. Continuo a gostar de São Paulo, da sua vocação para o progresso e para a vanguarda na cultura e na ciência. Gosto também dos seus parques, do contraste de algumas ruas com árvores frondosas e muitos pássaros. No decorrer dessa curta viagem, após o compromisso principal, pude visitar o Museu Histórico Prof. Carlos da Silva Lacaz.

Sabia da existência, mas nunca tinha ido a esse Museu da Faculdade de Medicina da USP. Por outro lado, conheci muito o patrono, Professor Carlos da Silva Lacaz, médico, pesquisador, humanista e escritor. Professor catedrático de Microbiologia e Imunologia da FMUSP, publicou perto de 50 ótimos livros sobre temas da sua área de atuação médica, sobre a história da medicina, biografias, além de vários assuntos correlatos à profissão. Com uma produção cultural e científica rara de se ver em qualidade e em quantidade, são cerca de 500 trabalhos científicos e 1,5 mil crônicas e artigos publicados em jornais e revistas, especialmente no jornal Folha de S. Paulo. Agraciado com destacados títulos honoríficos, no Brasil e no exterior, fundador de institutos e entidades científicas e culturais, seu legado no ensino, na pesquisa e na valorização médica é inestimável. Encontrei-o pela primeira vez em 1972, quando fiz o Curso de Especialização em Medicina Tropical, sob sua organização e coordenação. A inteligência, o entusiasmo, a dignidade do mestre e do pesquisador, a cultura, os gestos de humanismo, a retidão profissional, todos esses e outros atributos do Prof. Lacaz foram logo pressentidos pelos 22 alunos do Curso, pessoas oriundas de vários estados do Brasil e também de outros países.

Depois dessa fase, encontramo-nos por diversas vezes durante congressos médicos. Quando exerci o cargo de Reitor da UFRN – 1987/1991 –, tive a chance de recebê-lo aqui em Natal e no âmbito da Universidade, não com todas as honras que ele merecia, porém da forma mais cordial possível, à guisa de transmitir a grande admiração do discípulo pelo mestre. No começo de 2002, em uma viagem a São Paulo, resolvi revê-lo. Aposentado há vários anos, Professor Emérito, tinha uma sala de trabalho em prédio da FMUSP, na Av. Dr. Arnaldo. Sempre alegre, falou-me do passado, dos novos planos, e me ofertou, com dedicatória, um exemplar de um livro biográfico de sua autoria. Poucos meses depois, soube da morte do Prof. Carlos da Silva Lacaz, um dos mais notáveis vultos da medicina brasileira; uma das figuras humanas mais admiráveis que conheci.

Não foi surpresa ver o alto padrão do Museu Histórico Prof. Carlos da Silva Lacaz. Criado em 1977 pelo Prof. Lacaz, com o nome de Museu Histórico da Faculdade de Medicina, passou a ter a denominação atual, em 1993, em honra ao seu fundador. Hoje, sob a Direção do Prof. Dr. André Mota, vincula-se à Comissão de Cultura e Extensão da Faculdade, e conta com um grupo de apoio intelectual formado por nomes dos mais ilustres da medicina do país, tornando-se o centro de estudos historiográficos na área médica mais importante do Brasil e da América Latina.

Em próximo texto, trarei tópicos sobre a visita ao Museu e sobre a exposição "Arte e Medicina: Interfaces de uma profissão".